Agricultura familiar e o mundo que vem por aí

por GUILHERME CASSEL e LAUDEMIR MULLER

Há um reconhecimento internacional não só de que estamos no rumo certo. Hoje, o Brasil é referência em desenvolvimento rural

UM DOS desdobramentos mais encorajadores da crise alimentar e financeira é ter impulsionado a comunidade internacional para uma mudança de paradigma sobre o desenvolvimento agrário e a segurança alimentar.
O neoliberalismo, que impôs o sucateamento do Estado e dos projetos de desenvolvimento nacional, fracassou. Em apenas um ano, sob a pressão da inflação alimentar e da perda de emprego e renda, mais de 200 milhões de pessoas desprotegidas ingressaram no exército da pobreza mundial, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Ao mesmo tempo, o aumento dos preços não beneficiou os agricultores familiares, que produzem a grande maioria dos alimentos consumidos e exportados no mundo todo.
A novidade é que a crise está gerando uma inflexão e lapidando uma nova agenda internacional. Os países desenvolvidos estão ameaçados pela combinação de desemprego, migrações e fundamentalismos.
Por isso, parece que estão compreendendo que é preciso recolocar o Estado no centro da vida econômica e social e, mais do que isso, que sua própria segurança está relacionada ao direito dos países em desenvolvimento de terem estratégias nacionais de desenvolvimento. Estratégias de desenvolvimento sustentável que erradiquem pela raiz o flagelo da fome e da pobreza e gerem emprego e renda no meio rural.
Até a antiga retórica da ajuda alimentar -na maioria das vezes, uma forma de escoamento dos excedentes de produção do complexo agroalimentar- foi substituída pela ajuda internacional na estruturação da produção local da agricultura familiar como forma de prover alimentos.
As declarações do G8 e do G5 materializam essa mudança histórica: direitos a estratégias nacionais agrícolas e de segurança alimentar; políticas públicas para a agricultura familiar; suporte às mulheres agricultoras; e disciplina internacional dos investimentos estrangeiros para compra de terras. Esses são os elementos que dão a tônica dessa inflexão.
Essas novas diretrizes refletem, em grande parte, o que é o programa do nosso governo: políticas públicas para a agricultura familiar e um conjunto de ações específicas para o aumento da produção de alimentos e a estabilização dos preços.
Fazemos isso desde 2003. Em 2008, tivemos uma reação rápida à "crise dos preços dos alimentos" com a implementação do programa Mais Alimentos, que, no primeiro ano, propiciou aumento de 7,8 milhões de toneladas na produção de leite, mandioca, milho, feijão, café, arroz e trigo.
Hoje, a modernização da agricultura familiar em curso é responsável por 75% do total da produção nacional de tratores da linha Mais Alimentos (até 78 cv).
Em meio à crise econômica mundial, a agricultura familiar produziu mais alimentos e, com isso, contribuiu para o controle da inflação e a garantia de empregos e renda no campo e nas cidades.
Além disso, criamos o Fundo da Agricultura Familiar do Mercosul, que apoiará os países da região na implementação de políticas nacionais e regionais de fortalecimento da agricultura familiar e de aumento da produção de alimentos. Tudo com a participação direta da sociedade civil e das organizações sociais e sindicais.
Há um reconhecimento internacional não só de que estamos no rumo certo. Hoje, o Brasil é referência em desenvolvimento rural nas discussões a respeito do novo mundo que vem aí.
Essa nova agenda está alicerçada em três elementos centrais: novo olhar sobre o papel do Estado como articulador do desenvolvimento por meio de políticas públicas nacionais; maior equilíbrio de poder entre os países desenvolvidos e os países emergentes; e espaço central da agricultura de base familiar como produtora de alimentos e de estabilidade econômica e social.
Essa é a agenda nova, a agenda de futuro. Essa é a agenda que começamos a construir em 2003 e que agora mostra os seus resultados: mais produção de alimentos, mais empregos, mais estabilidade econômica e maior capacidade do Brasil de participar de forma decisiva na nova governança global.

GUILHERME CASSEL , 52, engenheiro civil, é o ministro do Desenvolvimento Agrário.
LAUDEMIR MULLER , 34, é economista e mestre em desenvolvimento rural.

Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2009, p. A3

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