Agricultor investe em atestados

Certificações de qualidade tornam-se diferenciais na produção agrícola de pequenos no sertão de PE

por PAULA NUNES

Foi querendo alcançar os consumidores que pagam caro para comer com qualidade atestada que o agrônomo Jackson Rubem Rosendo, 44, começou a plantar uva sem semente em 2003 em Petrolina (PE), no vale do rio São Francisco.
Para isso, assim que começou no cultivo da fruta, mirou as certificações e foi atrás de informações sobre como proceder no intuito de garantir bom preço e mercado no exterior. "Era uma época em que ainda estavam começando a falar em certificados", relembra.
A estratégia deu certo: ao seguir as normas, conquistou acesso a diversos países importadores quando passaram a exigir certificação, em 2007.
Com a crise econômica que derrubou o preço lá fora em fins de 2008 -no período da última colheita-, o agricultor voltou-se ao mercado interno.
Mais uma vez, diz ter sido beneficiado pela qualidade tipo exportação de suas frutas. Recebeu ofertas para vender por até R$ 6 o quilo, cerca de R$ 2 acima do negociado até 2007.
As certificações mantidas por Rosendo orientam toda a sua produção, atestando que as uvas são saudáveis, que utilizaram defensivos químicos auferidos e controlados, que a plantação tem infraestrutura correta e que os 24 funcionários fixos trabalham em conformidade com as leis trabalhistas.

Mercado maior
Assim como Rosendo, diversos pequenos agricultores da região do vale do rio São Francisco procuram certificações voluntárias para atestar a qualidade de produtos e serviços, ampliar o acesso ao mercado consumidor, otimizar e profissionalizar as práticas produtivas (veja mais nas págs. 3 e 4).
Segundo a pesquisadora do IEA (Instituto de Economia Agrícola) Geni Satiko Sato, as mercadorias certificadas têm como vantagem facilitar a entrada de produtores no varejo nacional e internacional.
"O comércio e a distribuição de alimentos estão passando por mudanças de exigência, com crescentes regulações qualitativas", explica Sato.
Mas chegar a esse grau de qualificação não custa pouco.
No caso de Rosendo, foi necessário investir R$ 500 mil em construção de banheiros, aquisição de tecnologia, sinalização dos lotes, logística de resíduos sólidos, entre outros itens.
O agricultor deve seguir uma lista com mais de 250 procedimentos. "Aqui, se espirrar, tem que anotar no papel", exagera.


saiba mais

Mais de mil empresas são acreditadas

São de competência das empresas certificadoras a auditoria e a concessão dos certificados compulsórios e voluntários.
Para atestados obrigatórios, as empresas devem ser acreditadas pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento.
No caso dos certificados voluntários, a maior parte das certificadoras também possui o aval do órgão, que as monitora constantemente. O Inmetro possui mais de mil empresas acreditadas. (PN)

DÚVIDAS

O que é certificação compulsória?
Obrigatória, é aquela que abrange todo produto e/ou serviço que afeta a saúde, a segurança e o ambiente
O que é certificação voluntária ou de qualidade?
São as que agregam valor a produtos e/ou serviços e reconhecem que os métodos de produção e/ou execução de serviços são aceitos nacional ou internacionalmente, dependendo do certificado

Basta adquirir a certificação e pronto?
Não. Ela deve ser auditada e renovada periodicamente
CERTIFICAÇÃO À MÃO Associação gasta R$ 4.000 para se certificar e não vê o retorno previsto

A APRN6 (Associação de Produtores Rurais N6), que reúne 14 pequenos produtores rurais de Petrolina (PE), na região do vale do rio São Francisco, buscou na certificação "Mercado Justo" garantir valor mínimo de venda de R$ 1 o quilo de sua produção agrícola.
Com a queda recente do preço nas exportações, contudo, a última safra já teve que ser renegociada e foi vendida por R$ 0,85. Com esses reveses, a entidade admite reconsiderar a renovação da certificação, uma despesa anual de quase R$ 4.000, informa a secretária da associação Eliete Souza, 35.
"A tendência é a cada dia que passa a fruta ficar na roça porque o preço não cobre as despesas de produção", lamenta o presidente da associação, Gregório Francisco dos Santos, 64.
Para conseguir garantir lucratividade em suas lavouras, a entidade pretende agora se transformar em cooperativa e passar a vender as frutas processadas. A ideia é vender polpa, banana seca e geleias.
"Somente como cooperativa teremos acesso a crédito para comprarmos maquinário, que custa R$ 250 mil", diz Souza.
Custos de manutenção chegam a R$ 10 mil anuais Exigência de atestados diversos por destino encarece o processo
A abertura de portas para mercados consumidores sofisticados, principalmente para países desenvolvidos, não acontece da noite para o dia nem sem altos investimentos.
Primeiro porque são exigidos diversos certificados para um mesmo produto, que variam conforme o destino.
O gasto médio de pequenos produtores rurais com a obtenção de cada um desses atestados é de R$ 2.000. Como de-vem ser renovados anualmente, eles desembolsam cerca de R$ 1.500 a mais por auditoria.
Existem ainda as despesas com análise de solo e de resíduos -que custam em média R$ 800 cada uma. Somando tudo, alguns produtores chegam a pagar R$ 10 mil anuais para manter seus certificados.
Isso sem contar o investimento que devem fazer em infraestrutura, que passa de R$ 100 mil por lote. As especificações técnicas exigem que o agricultor tenha banheiros, áreas isoladas para mistura de defensivos químicos e controle de resíduos, além de sinalização específica na propriedade.
Mas, se hoje os preços são salgados, quando a certificação passou a definir quem exporta, eles eram muito maiores. De acordo com a analista de negócios do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) Edneide Libório, ela custava até R$ 20 mil, o que inviabilizava a aquisição do atestado por pequenos.
Por meio de parcerias, o Sebrae conseguiu credenciar empresas certificadoras, que passaram a atender com os preços atuais, mais acessíveis.
Para conseguir seguir as normas técnicas e obter margem de lucro mais folgada, a alternativa encontrada por Laércio Stenio, 24, foi dividir a produção de manga por lotes: a que vai para o mercado externo está certificada, as que ficam no mercado interno, não.
Pelos planos de Stenio, o próximo passo será ampliar a área certificada. "Ela embute um custo alto no início, mas depois é compensada porque reduz os desperdícios", diz.

Produção integrada
A fim de facilitar a obtenção das licenças internacionais, o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) criou a PIF (Produção Integrada de Frutas), com base nos modelos estrangeiros, adaptando-os para a realidade local.
Por ter regras semelhantes, a PIF abre caminho para se conseguirem licenças como a Globalgap (exigida na Europa) e a Tesco (na Inglaterra). Isso significa que o agricultor que segue as normas de produção integrada já produz com controle de qualidade, monitoramento da produção e controle de resíduos dos defensivos químicos.
"Com ela, vende-se em qualquer lugar do mundo", opina o coordenador-geral de sistemas de produção integrada do Mapa, Luiz Carlos Nasser. Na prática, contudo, a PIF sozinha não garante a entrada de produtos brasileiros no exterior.

Frases

"Como associação, não conseguimos nada. Somos obrigados a virar cooperativa"
ELIETE SOUZA
produtora rural

"Ou a gente se movimenta hoje ou amanhã não teremos como trabalhar"
GREGÓRIO FRANCISCO DOS SANTOS
produtor rural

Folha de São Paulo, 02 de agosto de 2009, p. F4

Comentários

  1. Outras cadeias agropecuárias também serão contempladas com os processos de certificação de produção integrada no Brasil. Programas para soja, milho e de pecuária estão sendo validadas em diversas regiões do país. Cita-se, na cadeia pecuária, a produção integrada de leite, que foi testada na região de Campos Gerais no Paraná. Deve, em breve, ter suas normas técnicas publicadas pelo MAPA, estando assim passível de certificação.
    Outras informações estão disponíveis no portal www.qualidadeanimal.com.br

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Por que a água evapora sem estar a 100° C ?

A Importância da DBO

Pivô central: história e características