Preservar começa a dar retorno

Falta de retorno econômico não será mais desculpa para os agricultores de Joanópolis e Nazaré Paulista (SP) não investirem na preservação ambiental. A exemplo do que já vem ocorrendo nos municípios de Extrema (MG) e Rio Claro (RJ), foi lançado recentemente um programa estadual que propõe a remuneração do agricultor por serviços ambientais prestados, com foco na proteção e recuperação de mananciais.
A iniciativa de pagar o produtor que adota práticas conservacionistas na propriedade é do Programa Produtor de Água, parceria entre as Secretarias paulistas de Agricultura e do Meio Ambiente, a ONG The Nature Conservancy (TNC), a Agência Nacional de Águas (ANA), o Banco Mundial e a Prefeitura de Extrema, entre outras instituições.

SERVIÇO AMBIENTAL
"A legislação pune quem não preserva o ambiente. O programa é inovador porque paga quem presta um serviço ambiental", diz o coordenador da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), José Luiz Fontes. O programa é piloto e dura três anos, mas deverá ser expandido para todo o Estado e ser permanente.
A princípio, contempla propriedades pertencentes às microbacias hidrográficas dos Ribeirões Cancã, em Joanópolis, e do Moinho, em Nazaré. A escolha deve-se ao fato de ambos os ribeirões abastecerem represas que ajudam a formar o Sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo. "Uma propriedade rural pode ajudar no abastecimento de água de 1.800 residências", diz Fortes.
Segundo o engenheiro agrônomo Aurélio Padovezi, assistente de conservação da TNC, serão destinados R$ 395 mil para os contratos de pagamento nas duas microbacias, divididos em três frentes de preservação. Serão R$ 115 mil para práticas de conservação de solo; R$ 78 mil para restauração de áreas de preservação permanente (APPs) e R$ 202 mil para manutenção de florestas em pé. Por práticas de conservação do solo, o programa prevê o pagamento de R$ 75 por hectare/ano; em áreas de APP recuperadas e de florestas conservadas, a remuneração é de R$ 125 por hectare/ano em cada frente. Segundo Fortes, o total de recursos alocados para o programa é de R$ 3,9 milhões e os recursos vêm da cobrança pelo uso da água, direcionados pelo Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitês PCJ).
Segundo Padovezi, as duas microbacias reúnem 220 produtores - até agora, 12 já estão cadastrados. A área de pasto degradado soma 1.106 hectares; a área de APP a ser restaurada, 512 hectares e a área de floresta que necessita de manutenção é de 846 hectares.

INCENTIVO À RESTAURAÇÃO
"O pagamento por serviços ambientais é um instrumento para incentivar a restauração ambiental em larga escala, já que um dos gargalos é a falta de envolvimento dos proprietários rurais", diz Padovezi.
Os produtores interessados já se cadastraram nas respectivas Casas da Agricultura e, agora, os técnicos estão elaborando um "projeto ideal", que lista, com base na legislação ambiental, todas as práticas necessárias.
"O projeto ideal informa o que deve ser feito e quanto o produtor pode ganhar se seguir o projeto", explica o engenheiro agrônomo da Casa da Agricultura de Nazaré Paulista, Henrique Bracale. Segundo Bracale, além de pertencer a uma das microbacias, o produtor deve ter 15% de APP preservada para participar do programa. "A proposta é trabalhar a melhoria da propriedade como um todo e deixar claro que tão importante quanto o retorno financeiro é a questão da água e a sustentabilidade da propriedade."
"A falta d'água ainda não é problema, mas há áreas degradadas que deveriam estar preservadas. É uma cadeia. A erosão em uma propriedade não afeta só aquela área, mas compromete a infiltração da água em uma área maior", diz o agrônomo da Casa da Agricultura de Joanópolis, Vinícius de Moraes Ferrari. A cada três meses, haverá reunião para selecionar 30 projetos. Em 6 de agosto, data da primeira reunião, serão escolhidos os primeiros produtores. "Vão ser avaliadas justamente a intenção e a disponibilidade do produtor em fazer o que foi proposto no projeto ideal. A ideia não é só impor um projeto técnico", afirma Padovezi.
Conforme o andamento do programa, pode haver aumento nos pagamentos. "Como projeto-piloto, tem começo, meio e fim, mas ideia é torná-lo uma política pública", diz Padovezi. "O pagamento por serviços ambientais é uma tendência", afirma Bracale, de Nazaré Paulista.



Lavoura e cachoeira no sítio

Proprietário do Sítio São João, de 33 hectares, em Joanópolis, o pecuarista Orlando Fernandes da Silveira já se cadastrou. "No meu sítio tem cinco nascentes e quero preservar toda essa água", diz. O produtor é adepto do pastejo rotacionado há quatro anos. "Além de aumentar a produtividade das vacas e reduzir custos, o sistema melhora as condições do solo", explica.
Para impedir o acesso dos animais às nascentes, Silveira conta que cercou a área e instalou bebedouros móveis no pasto. Na área onde não há pastejo rotacionado, quer construir pequenas barragens para não perder a água da chuva.
Silveira diz que se interessou pela forma como o programa foi apresentado. "Houve diálogo sobre como produzir de forma sustentável e o produtor foi integrado ao programa." Para Silveira, o fato de um produtor decidir investir em práticas conservacionistas na propriedade desperta a curiosidade do vizinho. "Ver alguém fazer é diferente de só ouvir falar."
Também animada, a produtora Maria de Lourdes Lopes, do Sítio São Francisco de Assis, de 12,5 hectares, de Joanópolis, diz que a água é uma preocupação geral, tanto que já se cadastrou no programa para adotar práticas de conservação do solo e para proteger sua APP, que soma 2,4 hectares. "Já cerquei uma parte da APP e, no ano passado, construí pequenas barragens para evitar enxurradas. Se não fosse por isso, minha cachoeira estaria assoreada." Com o programa, Maria de Lourdes pretende adotar o pastejo rotacionado. "Com orientação técnica, quero fazer piquetes para meu gado de corte", diz a produtora, que quer retomar a apicultura e acaba de iniciar uma horta orgânica.



Produtor devia receber mais

O produtor rural Guaraci Diniz, de Amparo (SP), proprietário do Sítio Duas Cachoeiras, de 30 hectares, tem observado numa prática de pelo menos 25 anos que preservação e produção de água andam juntas. O sítio é manejado no sistema de agrofloresta - em vez de desmatar para plantar, Diniz refloresta. Há 16 hectares com mata nativa. "Em apenas uma área que reflorestei recentemente surgiram mais duas nascentes", conta Diniz, acrescentando que sua propriedade dispunha de apenas "uma nascente e meia".
Explicando: uma nascente nunca secava; a outra era intermitente. Agora, com mais uma área reflorestada, a "meia" nascente passou a ser uma e, além desta e da outra, o sítio ganhou mais duas. O reflorestamento permitiu também que toda a terra carregada pela enxurrada e vinda de uma estrada municipal mal conservada parasse de assorear o rio que corre na propriedade e faz parte do sistema de abastecimento do município de Amparo.
"Todos esses benefícios, principalmente em relação à produção e conservação de água, deveriam ser muito bem pagos", diz Diniz. Ele acredita que a iniciativa oficial de pagar o agricultor por serviços ambientais é válida, porém o valor, entre R$ 75 e R$ 125 por hectare, é pouco em relação ao benefício proporcionado a toda a comunidade.
Diniz prova com números o que está dizendo. Conforme tese defendida pelo engenheiro agrícola da Unicamp Feni Dalano Roosevelt Agostinho, intitulada Uso de Análise Emergética e Sistema de Informações Geográficas no Estudo de Pequenas Propriedades Agrícolas, o sítio de Diniz poderia estar recebendo pelo menos R$ 15.870 por ano por produzir água, em vez de R$ 742/ano, de acordo com o cálculo oficial que prevê R$ 0,01 por metro cúbico para as bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, tomando por base a Lei Federal 9.984/2000. Esta lei abre a possibilidade de cobrança de água nas bacias dos rios federais. O Sítio Duas Cachoeiras produz 74,2 milhões de litros de água por ano (calculados na tese de Roosevelt Agostinho).
E não é só a produção de água que conta, mas todos os benefícios ambientais decorrentes da preservação, como não-assoreamento de rios e melhoria do sistema de abastecimento de água de áreas urbanas. "De acordo com a metodologia emergética, o valor a ser recebido pelo sítio seria 22 vezes maior", diz a tese de Agostinho. Diniz questiona também o pagamento pelo uso da água que está prestes a ser adotado para os produtores. "Eu deveria, assim como todos os produtores conservacionistas, ser recompensado por produzir água, e não pagar por ela."


O Estado de São Paulo, 29 de julho de 2009, - Agrícola p. 9

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