Alimentos para o futuro

JACQUES DIOUF

A menos que tomemos hoje as decisões adequadas, nos arriscamos a que, amanhã, a dispensa mundial esteja perigosamente vazia

NAS PRÓXIMAS quatro décadas, a população mundial crescerá 2,3 bilhões de pessoas e ficará mais rica. Satisfazer a demanda dos 9,1 bilhões de pessoas no planeta em 2050 exigirá produzir 70% mais alimentos do que hoje. Portanto, a menos que tomemos, agora, as decisões adequadas, nos arriscamos a que, amanhã, a dispensa mundial esteja perigosamente vazia.

Sobretudo porque, nos próximos anos, o sistema alimentar mundial deverá enfrentar o crescente desafio da mudança climática -que pode reduzir a produção agrícola potencial em até 21% no conjunto dos países em desenvolvimento-, bem como pragas e doenças transfronteiriças mais graves de animais e plantas.

Ao mesmo tempo, haverá uma redução da mão de obra agrícola -porque cerca de 600 milhões de pessoas trocarão o campo pela cidade- e uma maior competição pelo uso da terra e dos recursos naturais.

Nossa resposta a esses desafios determinará como poderemos alimentar o planeta no futuro. Igualmente importante é garantir que as pessoas estejam bem alimentadas hoje. Isso supõe ajudar 1,020 bilhão de pessoas subnutridas, atuando de forma decidida para erradicar a fome completa e rapidamente.

Graças à Revolução Verde do século passado e dedicando 17% da ajuda internacional ao desenvolvimento a projetos agrícolas e rurais, o mundo pôde evitar a fome massiva na Ásia e América Latina nos anos 70.

Ao enfrentar desafio semelhante hoje, o caminho a seguir precisa, necessariamente, ser diferente. Além de impulsionar o investimento na agricultura, precisamos usar com mais eficiência a energia, os insumos químicos e os recursos naturais e focar mais nas necessidades das famílias rurais que vivem da agricultura.

Nesse sentido, um desafio importante será o da água, já que precisamos ampliar a superfície irrigada usando proporcionalmente menos água. As chaves estão na captação, no armazenamento e em técnicas que melhorem a eficiência do uso da água e mantenham a umidade do solo.

Para produzir mais alimentos e de maior qualidade para uma população mais urbana, mais rica e numerosa, a agricultura torna-se cada vez mais intensiva em capital e conhecimentos. Portanto, precisamos investir mais em pesquisa e desenvolvimento, porque praticamente todo incremento futuro da produção virá dos aumentos de rendimentos, e não do aumento da área plantada.

Os pequenos agricultores também precisam se capacitar para aprender novos métodos e tecnologias, e isso requer investimentos também em educação e em extensão agrária.

Muitos desses investimentos virão do setor privado e dos próprios agricultores, mas, para que sejam atrativos, também se deve dedicar importantes quantidades de recursos públicos a infraestrutura, educação, tecnologia e sistemas de extensão.

Aparte a simples agricultura de subsistência, não faz sentido produzir alimentos a não ser que haja estradas e veículos para levá-los aos mercados, que efetivamente existam mercados e que o produto possa ser armazenado e conservado.

No entanto, nem o financiamento nem as colheitas recordes serão capazes de assegurar por si só que todas as pessoas tenham acesso aos alimentos de que precisam.

Se pessoas passam fome hoje, não é porque o mundo não produza comida suficiente, mas porque esses alimentos não são produzidos pelos 70% das pessoas pobres que dependem da agricultura e, paradoxalmente, não têm o suficiente para satisfazer suas necessidades básicas de alimentação.

Portanto, alimentar o mundo em 2050 requererá também estratégias de redução da pobreza, redes de proteção social para produtores e consumidores e programas de desenvolvimento rural. Ao mesmo, será necessário ter uma melhor governança e o estabelecimento de condições socioeconômicas que melhorem o acesso a alimentos. Também é importante uma reforma do sistema de comércio agrícola para que ele seja não só livre mas também justo.

Esses temas estarão na pauta da Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar (Roma, de 16 a 18 de novembro). No encontro, chefes de Estados e de governo dos 192 Estados-membros da FAO tomarão decisões importantes sobre políticas e estratégias que assegurem que todos tenham comida suficiente hoje e amanhã.

Em 2050, o que comer deixará de ser um problema para muitos que já têm certa idade. Porém, considero que é meu dever, assim como é nosso dever como comunidade global, fazer tudo o que está ao nosso alcance para desterrar o fantasma da fome para sempre e assegurar que nossos filhos e netos possam comer dignamente e desfrutar de uma vida saudável.

JACQUES DIOUF , 71, é diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).

Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2009, p. A3

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