Cresce concentração de terra no país, diz IBGE

Censo Agropecuário de 2006 revela que aumentou, em relação a 1995/96, número de grandes propriedades em poder de poucos

Maior concentração não é necessariamente negativa, diz IBGE, pois mostra que a terra era explorada por quem tinha capital para investir

por ALEXANDRA BICCA
PEDRO SOARES

Em dez anos, o agronegócio brasileiro cresceu, modernizou-se e ganhou produtividade, mas esse avanço não alterou uma realidade: a concentração da terra na mão de poucos proprietários, que até aumentou.

Esse retrato surge dos dados do Censo Agropecuário de 2006, divulgado ontem pelo IBGE -o último havia sido realizado em 1995 e 1996.

Indicador-síntese da desigualdade no campo, o índice de Gini da terra subiu 1,9% na média nacional de 1995/1996 a 2006, para 0,872 pontos. Quanto mais perto esse índice está do número 1, maior é a concentração de áreas de cultivo.

Em São Paulo, por exemplo, o crescimento da cultura de cana-de-açúcar (estimulada pelo maior uso de álcool com o carro flex e pelos bons preços do açúcar) fez a concentração da terra aumentar 6,1%.

O índice relaciona a área total destinada à lavoura e à pecuária com o número de proprietários rurais. Ou seja, revela que a terra estava, em 2006, nas mãos de um número menor de proprietários do que dez anos antes.

Para Antonio Carlos Florido, gerente do Censo Agropecuário do IBGE, a maior concentração não é necessariamente algo ruim, pois mostra que a terra era explorada por quem tinha capital para investir. Esse, diz, foi um dos motivos do ganho de produtividade do campo.

"O índice de Gini não qualifica a concentração. Apenas indica se ela aumentou ou não. Às vezes o arrendamento de propriedades [que não é captado] pode resultar em maior distribuição de renda [para os donos da terra]. Porém, ele representa o aumento da concentração. Se ela é boa ou ruim, depende do ponto de vista", afirmou.

Na visão de Fábio Silveira, diretor da RC Consultores, o aumento da concentração é uma imposição econômica e reflete o modelo escolhido pelo Brasil: uma agricultura "de resultados", competitiva e sem os pesados subsídios dos países desenvolvidos. "A tendência é que a produção em escala maior e em grandes propriedades tenha melhor resultado econômico e de produtividade."

Entretanto, os dados mostram que o aumento da concentração ocorreu com mais força nas médias propriedades. Isso porque o peso dos latifúndios (mais de mil hectares) na área total oscilou pouco -de 45,1% em 1995/1996 para 44% em 2006. E a participação dos minifúndios (até dez hectares) subiu marginalmente, passando de 2,2% para 2,4%.

O movimento de concentração, diz o IBGE, foi puxado pelas grandes culturas de exportação (soja e milho, especialmente), pela profissionalização do agronegócio e pelo avanço da fronteira agropecuária em direção à Amazônia e ao Pantanal -impulsionada pela criação de bovinos e pela soja.

Não por acaso, os maiores aumentos do índice de Gini da terra ocorreram em Mato Grosso do Sul (4,1%) e no Tocantins (9,1%), além de São Paulo. Nos dois primeiros casos, a pecuária cresceu com força desde meados da década de 90. Já as estruturas agrárias mais concentradas permaneceram no Mato Grosso (na esteira da soja e do gado) e em Alagoas (por conta da cana-de-açúcar).

A concentração só não se acentuou ainda mais por causa da criação de áreas de preservação e terras indígenas. Talvez por isso Roraima tenha registrado a maior queda no índice de Gini -de 18,3%-, uma vez que boa parte do território é composto por reservas.



Agricultura familiar produz 70% do feijão no país

Pela primeira vez, o IBGE traçou um perfil da agricultura familiar do país e constatou que ela é voltada basicamente para a produção de alimentos da cesta básica -itens nos quais chega a responder por até 70% da produção total e supera, em muitos casos, o agronegócio.

Pelos dados do Censo Agropecuário, as pequenas propriedades tocadas pelo dono e seus familiares eram responsáveis, em 2006, por 70% do feijão consumido no país. No caso da mandioca, o percentual era ainda maior: 87%.

Mesmo em lavouras voltadas para a exportação, a agricultura familiar tem um espaço de destaque. É o caso do milho, cultura na qual possuía uma participação de 46%. O mesmo ocorre com o café, cujo peso é de 38%.

Também na pecuária as propriedades menores e familiares são fortes. Na produção de leite, respondiam, em 2006, por 58% do total. Tinha ainda 59% do plantel de suínos e 50% do de aves. Para o secretário-executivo do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), Daniel Maia, a agricultura familiar tem espaço assegurado, apesar do avanço do agronegócio.

"A concentração [da terra] não foi acompanhada da diminuição da agricultura familiar. Ou seja, ela não expulsou o homem do campo. Cresceu o número de estabelecimentos pequenos", disse.

Dos 80,25 milhões de hectares das propriedades familiares, 45% foram destinados a pastagens. Não há, porém, registro se estas áreas eram ocupadas por rebanhos.

Já 28% da área total eram de matas, florestas e sistemas agroflorestais voltados para o extrativismo ou cultivo de eucalipto para produção de celulose. As lavouras ocupavam 22% do total.

O Censo pesquisou ainda a posse da terra nas propriedades familiares. Do total de 4,3 milhões de estabelecimentos familiares, 3,2 milhões de produtores eram proprietários da terra -74,7% do total. Existiam ainda 255 mil (6% do total) de "sem terra" -o que inclui aqueles que não precisam necessariamente de terra, pois podem trabalhar no extrativismo de florestas ou arrendar áreas.

Ministro diz que metodologia do censo ofusca agronegócio

"Se não fui convidado para o baile, não vou para o café da manhã." Assim o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, justificou, por meio de sua assessoria, a ausência na apresentação dos dados do Censo Agropecuário de 2006.

Na sua avaliação, a mostra dos dados da agricultura familiar prejudicou a avaliação do agronegócio brasileiro. Como o IBGE incorporou à agricultura familiar as pequenas propriedades, o desempenho do setor ganhou destaque e ofuscou a importância do agronegócio na balança comercial.

Por meio da sua assessoria de imprensa, o ministério informou que somente depois de uma análise mais detalhada irá se pronunciar sobre os dados do levantamento.

A CNA (Confederação Nacional da Agricultura) também considera que a análise dos dados relacionados à agricultura familiar pode ter gerado distorções. De acordo com a entidade, um estabelecimento não pode ser considerado como uma unidade familiar, pois o mesmo produtor poderia ser contado mais de uma vez.

A coordenadora de assuntos econômicos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Rosimeire Santos, avalia que o aumento da concentração demonstra que a política agrária do governo não tem gerado resultados. Ela explica que, sem garantir acesso ao crédito e à assistência técnica, o governo acaba forçando a saída do produtor do campo.

"Não basta dar a terra, é preciso dar condições para que o produtor permaneça nela. Entre ter a terra e produzir há uma grande diferença", afirmou Rosimeire.

Pelo critério adotado pelo IBGE, um estabelecimento familiar se caracteriza pela limitação de área de quatro módulos rurais -que podem variar entre cinco e cem hectares, de acordo com a região do país- e pelo uso predominante da mão-de-obra da família.

Para o IBGE, a renda familiar deve provir da produção -não só da atividade agropecuária, mas também da silvícola, da extrativista e da pesqueira.



Pequenos produtores utilizam mais agrotóxicos

O número de propriedades rurais que utilizam agrotóxicos cresceu 53% entre 1995-1996 e 2006, segundo o IBGE. O levantamento indica ainda que tal avanço ocorreu especialmente nos estabelecimentos menores, onde há menos assistência técnica do governo e nas quais os donos da terra têm menor nível de escolaridade.

Dos 5,2 milhões de estabelecimentos rurais do país, 27% faziam uso de agrotóxicos em 2006. Segundo o pesquisador do IBGE Eupídeo Freitas, 77% eram dirigidos por pessoas com ensino fundamental incompleto ou grau de instrução inferior.

Isso, segundo ele, pode indicar que o aumento no uso de agrotóxicos está relacionado ao uso incorreto por conta da falta de conhecimento e da baixa taxa de assistência técnica.

"O problema não está no uso do agrotóxico, mas na forma como é usado. Além disso, a aplicação, em sua maioria, é feita com equipamento de maior potencial de exposição aos agrotóxicos", explicou Freitas.

Segundo o IBGE, 46,4% dos estabelecimentos rurais voltados à cultura da soja usaram sementes transgênicas. O uso de agrotóxico foi verificado em 94% das lavouras.

O censo mostrou ainda que a assistência técnica ao produtor continua limitada. Atende apenas 22% dos estabelecimentos e está focada em propriedades com área média maior. Em algumas regiões, inexiste.

Folha de São Paulo, 1º de outubro de 2009, p. B6 e B7

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