GILBERTO DIMENSTEIN: Como surgem inventores. E milionários

Como surgem inventores. E milionários
Romero Rodrigues transformou sua vocação para a informática em um negócio de US$ 342 milhões

Por GILBERTO DIMENSTEIN
Com o dinheiro que ganhava do estágio no Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc), da Poli, Romero Rodrigues conseguia economizar R$ 100 por mês, às vezes só dava R$ 50, para investir numa experiência em internet.

Com mais três colegas - dois da Poli, um da FGV -, aplicava R$ 300 mensais. Na semana passada, o que sobrou desse passado foram só os três primeiros dígitos. Uma parte da empresa foi vendida a um grupo estrangeiro por US$ 342 milhões.

A ideia surgiu quando eles, em 1999, perceberam que não havia na internet um jeito de comparar preços de produtos vendidos nas lojas. Nascia, assim, o Buscapé.
Perguntei a Romero sobre seu prazer de descobrir coisas. No relato sobre sua vida, dá para perceber o modelo que o ajudou a fazer tanto sucesso em tão pouco tempo - há anos registro casos de inovadores e, quase sempre, noto um padrão que se repete.

Antes que me confundam com escritor de autoajuda, vou logo avisando. Não vou dar uma receita, mas apenas mostrar que os inovadores de destaque têm pontos em comum.

Comecei perguntando sobre a infância. Romero lembrou-se da paixão que tinha por um brinquedo chamado "O Alquimista", que misturava produtos químicos. "Gostava tanto, mas tanto, que economizava cada gota dos vidrinhos. Foi, durante muito tempo, meu maior tesouro."

Puxando pela memória, ele se lembrou de que tinha mania de desmontar os aparelhos que encontrava pela frente e, depois, remontá-los - o que fazia de seu quarto uma espécie de laboratório. "Nada me seduziu tanto quanto o computador."
Aos 12, montou, sozinho, em casa, seu primeiro jogo no computador, em que bichos passavam por túneis.

Como se vê, Romero era um menino curioso e, desde cedo, desenvolveu o encanto pela experiência, encontrando uma vocação.

Aparece aí mais uma característica. O prazer não estava em ganhar dinheiro, mas em produzir novidades. "O dinheiro foi consequência." Na frente, estava um sonho que, ao contrário das empresas, tem uma contabilidade imaterial guiada apenas pela emoção.
Dificilmente, ele não iria muito longe se fosse apenas um curioso. Ser criança, afinal, é ser curioso.
Romero frequentou uma das melhores escolas da cidade de São Paulo (Visconde de Porto Seguro), onde teve as primeiras aulas de computação e a chance de mergulhar nos laboratórios. Sem isso, teria dificuldade de entrar na USP e obter uma base teórica sólida para fazer programação na internet.

Sabia, porém, transformar informação que vinha da sala de aula em conhecimento, ou seja, algo prático.

Notam-se curiosidade natural, inteligência acima da média para pelo menos uma área (no caso, a computação), boa formação escolar, apoio familiar. Mas falta algo - e, na minha visão, decisivo. Falta o mestre, aquela figura indispensável que ajuda a canalizar a curiosidade.

Quando lhe perguntei sobre os mestres que o estimularam mais, a resposta veio rapidamente: o pai, também chamado Romero. E também engenheiro. Não se incomodava com os aparelhos desconstruídos, espalhados pela casa. Pelo contrário, mostrava-se orgulhoso. "Via o esforço do meu pai em pagar a mensalidade."

Muitos dos colegas de Romero ganharam um carro quando entraram na faculdade. Com ele, foi diferente. O pai raspou as economias para dar-lhe um moderno computador.

Justamente com esse computador que, aos poucos, foi ficando velho, Romero montou o programa de buscas na internet, agora com 50 milhões de usuários - e, com isso, os R$ 300 mensais viraram, na semana passada, US$ 342 milhões.

É mais um exemplo a mostrar que nada pode ser mais importante num país do que o estímulo à inovação - é por esse ângulo que se pode medir a tragédia que significa a falta de professores em ciências e a incapacidade de mostrar como a teoria se aplica ao cotidiano.

PS - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) uma parte da minha coleção de entrevistados que se destacaram, alguns deles vivendo duras adversidades - todos sempre têm a história de um mestre para contar.
Alguns exemplos: Gilberto Gil, Fernanda Montenegro, Ziraldo, Maurício de Souza, Miguel Nicolelis, Ruy Ohtake, João Carlos Martins, Fernando Meirelles.



Após venda ao Naspers, BuscaPé mira o exterior
Negócio de US$ 342 milhões levará o serviço a 27 países até o fim deste ano

Adquirido por sul-africanos, BuscaPé integrará suas marcas de comércio on-line; serviço de pesquisa de preço na web gera 70% da receita

Presidente do Buscapé, o maior provedor de serviços de comércio eletrônico do país, o engenheiro Romero Rodrigues comemorou, na quinta-feira, seus 32 anos como um dos empresários mais bem-sucedidos do ramo. Dois dias antes, ele tinha anunciado a venda de 91% de sua empresa - construída com três colegas de faculdade - por US$ 342 milhões ao Naspers, um grupo de mídia com sede na África do Sul.

O negócio é o maior desde o estouro da bolha, a crise que levou diversas empresas de internet à falência entre 2000 e 2001. Com a assinatura do acordo, um dos sócios-fundadores do Buscapé, Mario Letelier, deixou o grupo. Pelo lado do Bondfaro, concorrente do grupo que foi adquirido em 2006, outros seis fundadores também venderam suas cotas. Estimativas indicam cifras entre US$ 5 milhões e US$ 7 milhões para cada um.

A partir de agora, continuam no comando da empresa Romero Rodrigues, presidente do grupo, Rodrigo Borges, Ronaldo Takahashi, todos fundadores do Buscapé, e Rodrigo Guarino, do Bondfaro. Eles assumem o compromisso de continuar por pelo menos mais cinco anos na companhia para levar adiante um projeto de internacionalização.

FOLHA - Com essa venda, quais os novos rumos do BuscaPé?
Romero Rodrigues - As conversas demoraram dois anos e só fechamos o negócio porque a Naspers aceitou que continuássemos no comando, desenvolvendo um produto com programadores brasileiros, do jeito brasileiro. Se tivesse sido um grande grupo de internet mundial, talvez não preservássemos nem a marca BuscaPé e estaríamos "tropicalizando" o nosso produto [o software que permite comparar preços pela internet]. A partir de agora, temos dois desafios: internacionalizá-lo e integrar as nove marcas que adquirimos entre 1999, quando lançamos o BuscaPé, e 2006, com a aquisição do Bondfaro, o nosso principal concorrente.

FOLHA - Quais as metas de expansão internacional?
RODRIGUES - Até o final deste ano o Buscapé estará em 27 países na América, incluindo os EUA, e em países da África e da Ásia de língua portuguesa. Hoje temos escritórios só em quatro países. Inicialmente, apenas o serviço estará funcionando, o que significa deixar o software à disposição dos consumidores, captando preços de diversas lojas virtuais interessadas em participar. Nessa fase, não haverá custo para esses lojistas porque queremos primeiro testar esses mercados. Naqueles que se mostrarem mais promissores, vamos montar escritórios até o final de 2010. Aí, sim, começaremos a capitalizar. Se após fazer uma busca de preço em nosso site o consumidor clicar sobre o produto de determinado lojista cadastrado para adquiri-lo, o lojista paga pelo clique ao BuscaPé [concluindo ou não a venda]. É daí que vêm 70% de nossa receita. O restante vem das nossas outras marcas [QueBarato!, e-Bit, CortaContas, Pagamento Digital, Confiômetro, Wiki2Buy, FControl, Bondfaro)].

FOLHA - O que é exatamente a integração entre essas marcas?
RODRIGUES - Um exemplo: temos o QueBarato!, um site de classificados gratuitos. Por ele, dá, por exemplo, para vender uma geladeira usada. Mas tanto o comprador como o vendedor correm riscos [o comprador pode dar um golpe e não pagar se receber a mercadoria]. Isso não acontece se a venda ocorrer por intermédio do Pagamento Digital, uma empresa nossa que intermedia a compra. Ela aceita que o comprador pague com o cartão de crédito, até parcelando o total, e o vendedor recebe o dinheiro em até 15 dias [em geral, após a entrega da mercadoria]. Hoje já oferecemos essa opção, mas as duas ferramentas não funcionam conjuntamente. Os interessados teriam de fazer cadastro em ambos os serviços e isso não é uma operação rápida. Tecnologicamente falando, integrá-las é o caos. São sistemas desenvolvidos em separado e que são diferentes. O trabalho agora é juntá-los, transformando esse "Franksteinzinho" em uma Gisele Bündchen.

FOLHA - Você poderia ter vendido sua participação ao Naspers por uma fortuna. Por que decidiu ficar?
RODRIGUES - Poderia largar e ficar curtindo, mas não faria sentido para mim. Sempre persegui a ideia de fazer um negócio que fosse grande e foi assim que trouxemos o BuscaPé até aqui. O dinheiro seria consequência, nunca o primeiro objetivo. Mesmo quando procuramos sócios investidores, esse foi o foco: continuaríamos à frente, fazendo do nosso jeito. Além do mais, meu dinheiro está aplicado aqui e tenho um sócio que vai me permitir crescer ainda mais. Não conseguimos ainda arrumar motivos para ir embora, a não ser que fosse para pegar o dinheiro e viajar pelo mundo, mas são coisas excludentes. [Mario Letelier, sócio-fundador, saiu porque pretendia ficar dois anos viajando pelo mundo].


Ideia original era pesquisar lojas físicas

Diferentemente da maioria dos estudantes, Romero Rodrigues, Rodrigo Borges e Ronaldo Takahashi não se matricularam na USP para serem engenheiros. Inspirados pelas histórias de sucesso de Bill Gates e de outros estudantes americanos que construíram impérios da informática no Vale do Silício a partir de uma simples ideia, eles queriam criar um "grande negócio". Foram cinco tentativas frustradas antes de chegarem ao BuscaPé.

"Pensamos numa empresa de automação residencial e até numa lotérica virtual", diz Rodrigues. A ideia do BuscaPé só surgiu quando precisaram comprar uma impressora e perceberam que não havia nenhum site de comparação de preços.

Originalmente, o BuscaPé deveria ser um site de pesquisa de preços de lojas do mundo real. "Como bons engenheiros, desenvolvemos primeiro o software e esquecemos do marketing", diz Rodrigues. Ao entrarem em contato com as lojas revelando o que fariam com os dados, receberam gargalhadas e até ameaças de processo como resposta.

Foi então que decidiram partir para a internet. Em junho de 1999, lançaram o site contando com 35 lojas virtuais. Hoje já são 600 mil cadastradas. Os 55 mil usuários, em 1999, já somam 62 milhões.


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