"Pré-sal" do campo traz US$ 1 tri em 10 anos

Mas produtores reclamam que, mesmo com esse potencial, setor está ameaçado pela falta de investimentos em infraestrutura Analistas dizem que, para ser celeiro do mundo, país precisa de investimentos do governo, dos próprios produtores e de empresas

por MAURO ZAFALON

Enquanto atenções e planos de investimentos no país se voltam à exploração de petróleo na região do pré-sal, produtores agrícolas reclamam que o "pré-sal" do campo, que deve trazer US$ 1 trilhão ao país em dez anos, está ameaçado justamente pela falta de investimentos em infraestrutura.

Com tantos investimentos em pré-sal, trem-bala, Copa do Mundo e Olimpíada, os problemas do campo podem ser relegados a segundo plano, temem os agentes do setor.

É difícil imaginar como será a participação do petróleo na economia mundial em 20 anos. Mas não é difícil prever a importância dos alimentos.

Relatórios recentes de vários organismos internacionais, entre eles da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e da ONU (Organização das Nações Unidas), mostram que haverá forte demanda de alimentos nos próximos anos, e todos são unânimes em apontar a importância do Brasil como grande produtor de grãos, proteína animal e biocombustíveis.

O país, que já é grande fornecedor mundial de alimentos, deverá ter participação ainda maior no contexto internacional nas próximas décadas.

As receitas com exportações nacionais do agronegócio cresceram a uma média de 13% ao ano na última década, devido a demanda maior, melhora nos preços e aumento de renda em países emergentes.

Com apenas metade dessa evolução por ano, o país acumularia US$ 1 trilhão nos próximos dez anos. Se for mantido o mesmo percentual de evolução dos últimos dez anos, o valor chegaria a US$ 1,5 trilhão na próxima década -até 2019.

Do estágio atual à condição de celeiro do mundo, no entanto, o caminho a ser percorrido é longo, dizem os analistas.

Especialistas no setor são unânimes em dizer que há muito para ser feito, e essas ações não dependem só do governo mas também dos próprios produtores e empresas do setor.

Da parte do governo, as ações devem focar investimentos em infraestrutura, avanços em tecnologia, questões ambientais e política agrícola de longo prazo.
Menos sonegação
Já da parte de produtores e empresas, afirmam ser necessária uma melhora na gestão dos negócios e maior responsabilidade empresarial, que inclua reduções na sonegação de impostos e na corrupção.

"Os investimentos virão com certeza, e várias mudanças serão necessárias, mas não é mostrando garras, unhas e dentes que elas ocorrerão. Serão necessários acordos políticos de fundo", diz Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura.

Para Stephanes, reestruturação das empresas agropecuárias, mudanças de contratos e questões tributárias e de sonegação estão entre as prioridades para o futuro.

Guilherme Dias, professor da USP e que participou do governo Fernando Henrique Cardoso, também diz que serão necessárias mudanças no setor produtivo."Há uma resistência da base produtora para a evolução. Parte ainda prefere a sonegação tributária e a corrupção a uma regulação do setor."

Luis Carlos Guedes Pinto, ex-ministro da Agricultura e vice-presidente da área de agronegócios do Banco do Brasil, acrescenta à lista de problemas a serem resolvidos a necessidade de regularização da posse de terra e uma melhora nas relações de trabalho.

"O Brasil vai ficar na pauta do mundo" e duas palavras vão determinar esse novo cenário agropecuário: concentração e internacionalização, segundo Roberto Rodrigues, também ex-ministro da Agricultura. "O pré-sal vai trazer um tsunami de dinheiro para o país." Esses investimentos não ficarão apenas em petróleo, mas irão também para saúde, educação, chegando ainda às indústrias de insumos e de alimentos.

Mas o país tem de ter estratégias, adverte Rodrigues. Política agrícola existe, mas são necessários instrumentos para sua aplicação.

Os técnicos da Unctad concordam com Rodrigues e sugerem que os governos enquadrem o fluxo de financiamentos para a produção e que elaborem contratos padrão para proteger os produtores.






Entre os principais desafios, questão ambiental desponta

A lista de problemas a serem resolvidos nos próximos anos é extensa, mas o que surge com mais vigor é o ambiental.

Entre o que o setor vê como ameaças à produção estão o desmatamento zero, inclusive em áreas onde já está definido o percentual de utilização da terra; aplicação do Código Florestal, desatualizado e da década de 60; e índice de produtividade, que tolhe a liberdade de o produtor escolher onde e como produzir.

"A questão ambiental é limitativa à produção", diz José Vicente Ferraz, da AgraFNP. Se as mesmas leis que estão sendo colocadas para o Brasil fossem aplicadas para o resto do mundo, haveria redução de 200 milhões de hectares nas áreas de produção.

A ex-ministra do Meio Ambiente e presidenciável Marina Silva diz que "esses investimentos que virão devem ser qualificados para que se produza mais e se utilize menos recursos naturais". Na avaliação dela, o Brasil pode dar sua colaboração na oferta mundial de alimentos apenas utilizando as áreas atualmente degradadas, elevando investimentos em pesquisa e buscando maior produtividade.

Kepler Euclides, da área de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa, concorda com Marina Silva. As pesquisas devem levar a uma maior produção de alimentos, mas com qualidade e oferta sustentável.

Para Ferraz, o país deverá ter um desempenho espetacular do agronegócio porque pela primeira vez na história pode haver falta física de alimentos, o que vai elevar os preços.

Atualmente há produção, mas a falta de renda de parte da população mundial para adquirir esses produtos provoca perda constante no valor médio dos alimentos.

João Sampaio, secretário paulista de Agricultura, diz que "o Brasil precisa realmente se preparar porque a competitividade no futuro vai ser grande". O maior problema do país é a dependência brutal dos insumos, diz ele. "Mesmo com ganho e produtividade nos últimos anos, os produtores continuam com custos elevados e renda ruim", afirma.

Para Anderson Galvão, da consultoria Céleres, o Brasil realmente tem de se preocupar porque a crise de alimentos de 2007 e de 2008 assustou os governos. Preocupados, os não produtores de alimentos buscam investimentos em outras áreas, como o Leste Europeu, a Ásia e a África.

Guilherme Dias, da USP, destaca que essa necessidade de alimentos está fazendo a China e o Sudeste Asiático desenvolverem estruturas superiores às do Brasil.

Esse novo cenário do agronegócio -de investimentos de grandes empresas e de fundos- não marcará o fim dos pequenos e médios produtores, mas eles terão de buscar mais gestão e maior produtividade.

Em algumas regiões, será necessária uma ação específica do governo, com visão de longo prazo. A avaliação é de Renato Gennaro, da Ernst & Young, que acaba de divulgar um relatório, com a FGV, sobre as perspectivas do Brasil na agroindústria nas próximas décadas.

Uma das saídas para os pequenos será a união em cooperativas, conclui Guedes. (MZ)

Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2009, p. B8

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